Escolha: uma palavra, sete
letras, sete dias da semana. Escolha: três vogais, quatro consoantes e um
caminho a percorrer. Escolha: a completa solidão, a presença incompleta,
algumas dores, outras alegrias, no meio da deliciosa liberdade de decidir o
próprio trajeto. Entre um chá e outro, as louças a lavar, os trajes, o varal,
os tropeços, os calendários e os cronogramas a serem alcançados. Trapos e
traços, pratos e prateleiras, parcerias e jogos, lembranças e retratos da noite
anterior, aquele som animado para incentivar a limpeza de tudo e as recordações
do que havia se passado em míseros meses em um apartamento que se tornava cada
vez mais um lar. Quatro meses da mudança, somados de três semanas para reviver
os milhares de chás que se tomara ali, as poucas sopas e as saladas em menor
quantidade ainda, ainda que presentes. Quase cinco de mudança, nove letras de
“lembrança”, sete de “escolha” e de um mundo de possibilidades desvendadas e a
descobrir entre a troca das fronhas da cama do quarto de dormir.
Enfeites de
Natal aqui, molduras colocadas ali, papéis, porta-retratos, pipoca, paçoca, pregos,
aquelas aquarelas enfim penduradas, as sacolas de supermercado, a retornável da
feira de orgânicos, as flores da feira, a lista incompleta, os itens
esquecidos, os quadros e os fardos de determinados momentos em que o estar só
não basta. Embrulhos de tristeza, pacotes de felicidade, misturados em
sensações de liberdade e solidão. Feijão, memórias, histórias, canecas,
canetas, conexões, colchões, colares, colos, cômodos, incômodos, simples felicidades, apertos, apetrechos,
aparelhos, alimentos apimentados, amabilidades, mais porta-retratos, fotografias,
portas, janelas já limpas. Listagem do que falta comprar, consertar, construir,
colar, acomodar, aceitar. Anotações, anedotas, notas, novidades, notícias, novos móveis,
antigas amizades. Rotinas, climas, óculos, ônibus diferentes, carro, bicicleta. Atitudes, atividades,
arroz integral, a conta a vencer, a planta a aguar, o lixo a descer, a falta de
uma TV que nunca havia sido tão sentida, a nova tevê, os filmes e o DVD, a
responsabilidade, as possibilidades, a vida adulta. Pacotes de porcelana, de esperança, de
realidade, de receio, de falta, de conforto e da falta dele, por vezes.
A
partida de casa, a saída, a escolha, a tão difícil escolha, aquela que liberta
e crucifica. Aquela que, tal como o amor, é dolorosa, embora deliciosa; é positiva e necessária, embora temida. Escolher é: permitir-se partir quando for a hora; deixar ir
embora parte de nós para que parte permaneça; tal como a saudade não é a ausência,
mas o que importa de algo quando este algo se vai ou se fora e, no fundo, o
que realmente importa é como lidamos com a ida, com a transformação, com a mudança,
com a tal da escolha. Porque, no fundo, no fundo mesmo, o que permanece é um pouco desse pequeno tudo isso, no qual a zona de conforto já não
cabe. Não cabe em palavras e poemas.
Não há vagas para o comodismo neste lar.
Não há
vagas.
"I'm looking for a place to start
And everything feels so different now
Just grab a hold of my hand
I will lead you through this wonderland"
Ao som de: Yellow light.
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