quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Desperdícios, dores e ah... braços.

Ela não gostava de desperdícios, sobretudo de comida, tempo, ingressos de concertos e, claro, dinheiro: aquele que permite comprar ingressos; trabalho; tempo alheio; alimentos, pimentão, pão, pastel, pepino, paçoca, mariola; instrumentos, violão, viola, violino, piano; a mistura de ambos, comida e instrumento, um pão perto do violão, um pepino que caiu no violino, a mariola sobre a viola, e um pote de paçoca querendo se aproximar do piano. 

Detestava também desperdícios alheios de recursos escassos, cuja disponibilidade e escassez pudessem variar conforme época e local considerados. Sabia que não era a única privilegiada em relação aos desperdícios. Ela também não gostava de dores e, da mesma forma, não era a única. Não gostava também de remédios que pudessem evitar e atenuar a dor. Mas um belo dia – nublado e chuvoso, no qual as flores, junto com o sol, se escondiam dos jardins – ela precisou desperdiçar ingressos exatamente por causa de dor. Perdeu o som dos violinos, dos violoncelos, das violas, das flautas, do piano e de toda orquestra, com a paz que a música traz, pela presença forte da dor em seu braço. Uma dor incômoda de dificultar movimentos. Ela queria apenas ter visto seu concerto ou, ao menos, ter feito sua yoga. A dor intensa permitia somente que se queixasse para si mesma sobre a condição de seu braço direito. Repetia em sua mente que havia perdido o concerto e que gostaria de se livrar daquela dor. 

De repente, não mais que de repente, separou-se da queixa. Mudou o semblante e seus pensamentos começaram a confortar não a dor física do braço, mas a dor de algumas ausências e de alguns estresses. Passava a se convencer de que o braço melhoraria em breve e de que não podia se queixar tendo comida sempre, ingressos, às vezes, música sempre, tempo, às vezes, e recursos escassos, quando bem administrados, poderiam ser suficientes. Então, o braço dolorido podia ser louvado, já que estava presente em seu corpo em quantidade suficiente, em conjunto com outros órgãos fundamentais como cérebro, pulmões, estômago, fígado, intestino, rins, entre outros investigados pelos médicos. Ah, e ele, o coração, claro, um órgão muscular que coloca todo o resto para funcionar. E “todo o resto” inclui mãos, para percussão ou para tocar piano, teclado, violino, violão ou algum instrumento não citado e que pode depender não só da mão para ser praticado, mas também da boca. Instrumentos como sax, clarim, trompete, gaita, flauta ou qualquer outro de sopro ou de vento. 

A boca, além de ingerir alimentos e servir para produzir sons em instrumentos musicais de vento, às vezes, deve se fechar e se calar por causa das moscas. “Todo o resto” inclui ainda: a) ouvidos, para detectar sons, eliminar potenciais ruídos do processo de comunicação e filtrar aquilo que a audição deve ou não considerar; b) narizes, que irritados produzem espirros e rinite alérgica, mas ajudam na respiração, no canto e também na detecção de cheiros, agradáveis ou não; c) olhos, que podem enxergar muito, enxergar pouco, enxergar muito pouco ou podem ser cegos, míopes ou até falar, o que é lindo, olhos falantes são lindos; d) pernas e pés que, juntos, permitem ao corpo o movimento, o dançar, o bailar, a dança e o mais belo baile de máscaras; e) braços. Finalmente, volto aos braços, que permitem às mãos levantar taças, promover brindes, organizar movimentos, da orquestra ou não, de esportes ou não. Eles servem tanto para a regência – do maestro, não do português – quanto para arremessos de peso, para cortadas, saques, manchetes ou toques do vôlei. 

Intimamente ligados às mãos, os braços conduzem abraços, apertados ou não, calorosos ou nem tanto. Os braços que abraçam e podem promover brindes precisam estar saudáveis para tudo isso... Sem dor, sem nódulo. Apesar disso, quando houver uma lesão, é preciso aceitar, porque uma lesão pode virar uma lição, um indicativo de que há algo de errado, mas, mesmo assim, os braços estão presentes, caso contrário, não estariam doloridos. Meus braços estavam lá no dia da dor e ainda estão em mim... Graças! Embora estivessem doloridos, estavam e o estar já bastava e basta. O simples estar do braço significava a possibilidade de abraçar as coisas e as causas. Além disso, a extensão de um órgão e a união com os demais, ainda que na presença do incômodo, permitiam a formação de um organismo que reclamava de um conjunto completo, de forma que talvez o corpo quisesse revelar algo além da dor de um nódulo muscular. 






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