Sabe desses encontros inesperados que nos coloca para pensar? Pois bem, outro dia foi assim, ao esbarrar com um querido na cafeteria. Convidada a sentar, começamos a falar sobre planos e possibilidades futuras. Pergunta vai, resposta vem, chegamos ao mote amoroso.
Daí comecei a explicar o porquê da importância de um companheiro alguma hora, apesar das preocupações profissionais que prevalecem no momento, das prioridades, apesar dos pesares e das cobranças pessoais e familiares. Naturalmente, existem tantos tantos dos quais nos ocupamos para nos mantermos. Da luz, do gás, bandeira verde, amarela ou vermelha, amor? Ativar as termelétricas, isso cabe no poema?
Cabe no bolso o sofrimento de uma senhora idosa, cuja desigualdade reflete em seu cotidiano, em sua pele, na sua conta de energia e no gás cortado no final do mês por falta de pagamento? A idosa, catadora de material reciclado, arrimo de sua família, tábua de salvação de seus filhos desempregados, com mais de 70 anos, não deve ser exemplo tão discrepante da realidade de tantos outros. Será que o telefone que não funciona cabe no poema?
A sonatina, os sonhos, os sonetos de amor, a inflação, a deflação após anos, a inversão, a invasão, o in(verso), a sonegação, a corrupção, então, cabem? Os custos de mantermos políticos e políticas (ou a falta de), os preços da carne, do feijão, do pão, da insuficiência de investimentos em áreas essenciais e da falta de óleo de peroba na cara de grande parte dos representantes brasileiros... Cabem no poema? Ou será que cabe apenas o pão Low Carb e a dieta sem lactose que permeia aquelas pessoas fit, mas com moderação?! Postergar a compra do supérfluo, de tantas flores e enfeites é, possivelmente, algo inexistente na vida de tantos cidadãos, cujo dia-a-dia, possivelmente, viu-se nem tão florido ao longo de anos. Será que a orquídea e o lírio caberiam no poema dessas pessoas ou só na passagem de alguns? Será que flor é permitido onde falta gás e saúde?
Apenas na
paisagem do jardim da esquina caberia o Girassol da cor de tantos outros cabelos que não os meus? O funcionário público cabe no poema, ao lado das
investigações e dos velhos problemas da política brasileira, dignos de roteiros de novela? Cabe a falta de
verba das universidades brasileiras? Cabendo ou não, alivia
pensar que o tempo atenua expectativas nem tão bem depositadas, até que aprendamos a colocar um pouco menos naquilo que mais desejamos.
Ao chegar em casa, já na minha própria companhia e na valiosa solidão, entre chás, canções, curtas conversas telefônicas, taças de vinho, textos finalizados e a concluir, contextos repensados, possibilidades esquecidas, pretéritos, pretextos, poesia, deparei-me com a mente na minha própria “filosofia existencial”.
O
que vale, dentre as respostas que buscamos, das que temos do que somos, do
antigo que, em parte levamos adiante, em parte, ao passado pertence? O que
decidimos manter, entre um instante e outro, nem tão perto que se invada, nem
tão longe que se faça ausente? O que, de fato, mantemos da parte que
pretendemos manter, num ambiente nem tão frio como a temperatura no inverno,
ainda que brasileiro, nem tão quente a ponto de queimar?!
O que desejamos que permaneça aquecido no nosso espelho, o que permitimos que fique congelado no passado, na porta do congelador da geladeira que já nem é tão nova mais? O que colorimos e colocamos no nosso precioso baú de forma nem tão colorida, ora em sépia, ora preto, ora branco, ora em P&B? O que reparamos no espelho, dos quais podemos não buscar tanto, nem tão pouco, numa relatividade intraduzível, por vezes.
O que importa dos tão corridos
dias, das concorridas profissões, das promessas alheias que até podem, mas não
devem permanecer? Das outras pessoas, da retidão,
da retração, da revelação, dos velhos retratos, dos reflexos incertos, dos conselhos e consensos, dos incensos, das diferentes visões, das vocações, da retina, da rotina, da nossa, da do outro que afeta a
nossa, do que fazemos dela, do que conseguimos levar do que não é essencial?
Será que basta não desejarmos ao outro o que não queremos para nós? Ou não esperar do outro o que desejamos para nós, que faça nossa parte ou que aja como faríamos!?!?
Basta não cobramos do outro o que não oferecemos, basta nos
aceitarmos do modo que somos, ou do que temos consciência do que buscamos?
O que importa dos nossos quereres, do que vemos ao apreciar o mar, do somar alheio, das gotas, dos gostos e desgostos, das contas, da contabilidade, da economia, da matemática, das compras, dos encontros, dos descontos, dos desencontros, do que somos, do fizeram de nós, ou apenas tentaram, e permitimos?!!?
Quanto do que falamos condiz com o que realmente procuramos e qual é a essência do que queremos no oceano de palavras que trocamos diária e desnecessariamente, por vezes? O que vale no interior do oceano que construímos, através das profundezas da alma? O que vale do que deixamos que buscassem para nós, ou do que aceitamos do outro, ou do que conseguimos lidar melhor conosco e enxergamos como nosso?! O que importa deste pequeno tudo isso que ora parece tão grande, ora tão ínfimo, ora tão distante, ora tão íntimo, ora com menos tão isto ou tão aquilo? Eu prefiro, entre objetos de arte, entre leilões diversos, o da Cecília, desses infantis em que se pode encontrar cores, borboletas, flores, passarinhos, ovos nos ninhos, lagartos, raios de sol, caracol, formiga, cigarra, fábula, sapo e grilo anunciando esperança.
O que permanece do que não se pode precisar, do que descobrimos como indefinível, do que compreendemos e do que acreditamos compreender? O que tomamos como nossa verdade das palavras alheias, de frases que são do outro e tentamos descrever como nossas, ao atirar flechas precipitadas, ao atirar-nos do precipício, por vezes, sem calcular tanto os riscos, a distância das rochas e a quantidade de elementos que podem nos machucar?!
Engraçado é pensar sobre as visões que os diferentes outros têm de nós, para as quais a maior cautela é apenas mantermos nossa essência e, para tanto, conhece-la, ama-la, alimenta-la, filtra-la, sempre que necessário. “Você, tão sensata, tão equilibrada", dizem uns; "Você tão maluquinha, no bom sentido da palavra, tão extrovertida, tão inteligente, tão sociável". Oi?
Eu, "tão-cheia-de-maravilhados-predicados”, tão bem-descrita por mim mesma e pelas amigas próximas, por outro lado. A resposta sobre este você mais real, para além de idealizações alheias? Pois bem, encontra-se em blocos de notas, em parte, em chais, ou taças, ou grãos de areia, ou cada gota de vinho já tomada na própria companhia; em concertos e em muita música, em teatro, em algum grau em abraços, e em bem menor grau, em palavras trocadas. E quer saber o que acredito ser fundamental? Além do amor, das canções, dos vocais do Tom, do Toquinho ou do João, é a vida não estar fechada em arquivos e documentos! É tentar enxergar o essencial e aquilo que não deixamos perder com o tempo, o que não matamos no cotidiano e a cada segunda ou terça-feira modorrenta. O que guardamos a sete chaves, seja lá por quanto tempo permanece neste turbilhão do mundo atual.
O que
aceitamos que se vá da limitação humana de buscar, por vezes, o sobre-humano? Do
tele transporte, já desisti! Somos dois? Lembra-se, amigo aniversariante de hoje, de quando você falava para
mim que gostaria deste poder? Ah, quantos instantes e quantos anos passaram das rosas passadas
que você tentou me entregar e que eu nunca consegui receber da mesma forma, receosa de não ser
sincera comigo, em primeiro lugar, e com você, em segundo, pois estava mais do
que claro que você me amava. Sim, só eu não percebia. Eu, alguns anos depois, agora e aqui, aqui e agora, um pouco menos “sonsa”, entendo melhor. À época, ainda precisava que me dissessem que Não, você não gostava de War, eu sim e você ia por mim, não pelo jogo de guerra de tabuleiro, mas pela possibilidade de interagirmos ao longo dele. E que Sim, você, que não costumava passar perfume, o fazia para jogar War,
pois é, coincidência, correto?!
O que a paixão não explica? Quem diria que tantos gostos comuns nos uniriam e que, anos depois de termos tantas histórias para contar e de eu já ter sido mote de textos seus, um certo vício inspirador, você estaria contido em um dos escritos meus, ham?! Em outro contexto, porém não menos querido e nosso café ainda sairá, creio, um dia, aquele que nossas agendas se reunirem. Dos concursos, das suas aulas jurídicas para uma então aprendiz de sociologia aplicada, das aulas de francês que iniciamos juntos e continuei sozinha, dos cursos, presenciais ou não, dos discursos; dos pretextos, das pretensões, das estradas, da chave apitando, da correnteza, do rio, da região serrana, da passagem do tempo, das andanças e das mudanças, da falta do nosso amigo, hoje estelar, das caminhadas, da minha bike, a Clarissa, cada vez mais dela, das possibilidades; da coleção de canecas, das tortas de banana com canela, aquela que continua permanecendo nas receitas para adoçar a alma, inclusive neste friozinho de inverno-nem-tão-frio-pois-brasileiro; da chuvinha que muda a sensação térmica, é mantido meu carinho e minha admiração por tudo que vivemos.
Dos Chais, Cappuccinos; da nova coleção de caixas, significados e conceitos; da quebra de preconceitos; das novas construções e desconstruções
do mundo de significações a desvendar; da alegria de dar ao novo gato um lar; dos livros que você me deu, de Clarissa de novo, a bike; da bagunça que o felino faz no novo ambiente; na sala, a
derrubar porta-retratos e caixinhas recém-instaladas, são mantidas ao menos belas memórias e a sincera amizade.
O que se faz essencial entre teoria, disciplina, matéria, música, claves, chaves, frações, intervenções, incertezas, urbano, humano, figuras, falhas, ditados, dizeres, dicionários, sinais, signos, sinônimos, expressões, espera, chás, comunicação, ação, arte, de(coração), acionar, mar, amar, maré, movimento, métrica, medidas, respostas, tempo? Quanto a um passado não tão antigo, será que existe parte de mim numa terceira margem? Ponho-me a refletir.
O que importa, de fato? Uma trilha sonora da própria vida, “Like no one's watching you”, um turbilhão, um milhão de palavras – centenas, dezenas, unidades ou incontáveis delas – das letras que buscam definir diversas situações, ciclos e circunstâncias ou o amor que se transforma e que permanece, de forma diferente, talvez mais silenciosamente, talvez traduzido pela imagem do seu gatinho esparramado no chão esperando por cafuné?
Ps.: A moment a love; A dream aloud; A kiss a cry; Our rights; Our wrongs. Ao som de Florence and The Machine.
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