Um dia a gente percebe (e aprende)
que o passado fica no passado, por mais belo que seja, por mais belo ainda que
seja no presente, quando o idealizamos maravilhosamente aquarelado. A gente
percebe que, por mais que procuremos porquês em caixas, cartões, flores, fatos,
receitas prontas, recitais, rimas, poemas, parágrafos, perfumes parecidos, profetas, poetas, pares, olhares,
lugares e outros tantos, o que é nosso já está guardado, sobretudo em nosso
coração. Um dia a gente percebe (e aprende) que, por mais bela que seja a nossa
própria companhia e o conforto do nosso próprio coração, uma sessão de cinema solitária
numa sexta-feira à noite nem sempre basta, mas sim o quarto de uma amiga,
sobretudo com passarinhos e cobertas azuis nele, sobretudo com as duas, com as
conversas, os relatos, os retratos que já têm juntas e os que ainda virão, as
mesmas roupas que já não cabem mais, os mesmos olhos que já enxergam mais,
visões diferentes das que tinham no passado e das que terão (muito provavelmente) no futuro e graças
ao Deus de cada uma, mesmo que seja o mesmo e ainda que o cinema na sexta-feira e no sábado, em conjunto, agora ja sejam suficientes, pois há Neruda e Elis, em seguida, em cartaz.

Um dia a gente percebe (e aprende)
que as pessoas que reclamam pela falta de amigos não o fazem à toa. Manter
laços nem sempre é tão simples, mas necessário. Um dia a gente percebe (e
aprende, e agradece, e deseja) que todos tenham sorte em relação às amizades de
longa data, de alma, de fraternidade e de outros tantos. A gente percebe (e
aprende) que não bastam as opiniões da mãe, do pai, dos irmãos, da avó, da titia, do
papagaio, do cachorro, do gato se isso não tiver um filtro próprio amorosamente
calibrado, para que a opinião alheia em excesso não anule a da própria pessoa.
A gente percebe (e aprende), por vezes, que precisa se afastar de determinados
amores, afetos, amoras, abraços e amizades para que floresçam ainda mais belos no
futuro e que, se não florescerem, isso não é o fim, mas um indício de que o melhor foi o
afastamento, então. Aprende-se que isso serve inclusive para a família, em
determinados momentos, e que a espaçada distância não significa amor de menos,
mas a manutenção de um respeitoso sentimento, ainda que contando com uma certa
distância que preserve a saudade e que torne saudável um convívio mais próximo.


A gente toma chá, ri das próprias
bobagens e de detalhes; a gente bate o martelo, primeiramente, sobre o fato de
que nada pode rasgar um amor-próprio bem construído, de que o envelhecimento
nem sempre caminha ao lado da sabedoria; de que nem todos aprendem com o passar
dos anos a admirar as simples belezinhas da vida; de que, entre o livro e a
sabedoria, a gente escolhe a segunda opção, por mais que ela possa vir da
primeira, com frequencia. A gente deseja que todos evoluam e que amadureçam com sabedoria. A
gente aceita o que não pode mudar (até a mudança não se tornar inviável e ser, de fato, viabilizada); a gente aprende a importância do silêncio, não porque outro alguém não
quer conversa, mas porque a gente não quer. A gente aprende a dar satisfação a
quem quer, quando quer e por querer. A gente aprende que conselho é
uma forma de nostalgia e até menciona isso ao dar conselho; a gente aprende a
não largar tudo aquilo que nos faz bem e a afastar tudo aquilo que já não cabe
no ritmo, nem no poema; a afastar tudo aquilo que não convém com o timig, afinal, quem somos nós para desconsiderar que o tempo tem o próprio tempo e que a música tem a própria dinâmica?

Por fim, a gente acredita em ideias das quais desacreditava por ainda não ter conhecimento suficiente (ou vice-versa;
verso e vice); então, a gente bate o martelo (agora segundamente), e começa a
aprender sobre a melhor forma de bater o martelo e de repensar, no presente,
sobre (a importância d)o passado, ao mesmo tempo em que deixa o passado lá
mesmo (entre reconsiderações presentes de/) para um futuro com tempo, espaço, espelho,
escolha, local, imaginação ainda inéditos. Então, a gente agradece pelos frutos
plantados, agradece por perceber que já começou a nadar, mas reconhece que ainda
há muito pelo oceano a nadar. Reconhece que, mesmo que haja uma tampa para cada
panela, às vezes é necessária a falta de tampa. Reconhece que não, não devemos
subestimar a força de um novo aroma ou de uma amizade repaginada. Reconhece que
quem faz do limão limonada vive mais leve e com um sorriso no rosto, ou vários
deles, sempre que possível. E ai? Vai de limão, laranja, chá, chuva ou chuvisco?