Não é novidade que cada um lida de forma distinta com seus próprio espaço, com seus compassos, passos, sentimentos, espaçamentos, contextos, circunstâncias, textos, lembranças e que, no decorrer do tempo, isso se altera. Clarissa era do tipo que gostava de dar e receber cartões. Comprava cartões nas viagens que fazia, sem destinatário em mente, para levar na mala e guardar em sua caixa de cartões e memórias, até que encontrasse a pessoa que fosse “a cara” daquele cartão x ou do y. Cartões em si, talvez não sejam tão belos, mas as palavras que preenchem cada espaço dos cartões sim... Essas sim! As letras, as linhas e a organização de letras em palavras, de palavras em frases, de frases e pontuações, até o final, constituem o cartão em si.
Mas o mais importante são as emoções por detrás das letras, linhas e lições. Então, o que dizer sobre cartões aleatoriamente comprados, que se
transformam em cartas, após escolhidos, a dedo, os destinatários? Eles completam o que as
pessoas nem sempre dão conta de dizer pessoalmente, em voz alta e claramente. Eles, os
cartões, revelam momentos pontuais de um sentimento, ou de vários deles, que perduram ou se
modificam, de alguma forma, a se guardar na memória por meio de algo além de um papel.
É
como se cartões fossem glossários de sentimentos, ao traduzirem emoções um tanto quanto obscuras, por vezes, em ordem cronológica, quando datados, os cartões, em palavras a serem lidas e, além, interpretadas. É como se fossem dicionários
de sentimentos. O que dizer de um tradutor de substantivos, sentimentos, satisfações e
outros tantos? Se o glossário fosse de Clarissa, traria no início, admiração, afago, afeto, alegria... E amor, claro! Admiração, entre fotos, fatos, canções e afetos, o Sol lá fora já posto, as nuvens em
movimentos lentos, a chuva passada, aquela que levou o cheiro de grama molhada
da cidade. No dicionário de Clarissa, posicionava-se a admiração logo no início, caminhando lado a lado com o amor, em dias nublados ou nem tanto; chuvosos ou nem; em noites mal dormidas ou nem.
Há quem diga que um glossário de
sentimentos deve, necessariamente, preservar para todo sempre a palavra Amor.
Ah, o amor, esse contentamento descontente; esse mote de poemas; essa ferida
que dói e não se sente, mas por vezes sim; esse sentimento desejado por muitos;
vivenciado inclusive pelos relutantes, que não o desejam; descrito por poetas, relatado, escrito, traduzido de diversas formas e experienciado por reles mortais. Há quem
diga que um glossário assim não é feito de um ABC qualquer, pelo contrário,
requer dedicação e um punhado de canela e cor no coração, desde o início,
preferencialmente.
Há quem diga que bom mesmo é se o glossário, depois do C, de
coração, não contivesse o Desamor, escondido na mala da esperança de se
tornar um dia outra coisa, desde que Bela, entre as letras A e D. Culpa e
Compaixão começam com C, mas não valem. Decepção e Dó, esquece-se, embora
existam. Só o dó do piano que cabe no glossário de Clarissa. Logo após, já na letra E, vem a esperança, não necessariamente em forma de
inseto, não necessariamente pintada de verde, mas acompanhada, muitas vezes, da
expectativa. E sobre Expectativa, o que dizer, por sinal?
Pois bem, elas
sinalizam que podem vir Decepções pela frente, embora no glossário as Decepções
estivessem antes, ainda na letra D. Daí vêm as letras F, com suas Frustrações e
G, com toda a Gratidão que houver nessa vida, um punhado maior de Amor e alguma dose de Antimonotonia. Do I o glossário inventa que não há inveja no mundo e nem infelicidade, até que se prove o contrário, acha-se graça daí. Clarissa,
em seu glossário, pula algumas consoantes, J, K, L, M, N, e também a vogal O, já
que o Ódio, a Ostentação e as Mágoas merecem morar longe. Chega-se, então, à
letra P.
Bom mesmo é que o glossário nunca contivesse algum Ódio ou sentimento similar, mas o Perdão logo após o O compensa. Poderia conter, ainda na letra P, paixão de sobra, mas essa não se cobra, não se empresta, não se vende, nem se negocia, apenas leva à beleza e à inquietude.
Se fosse musical, o dicionário de Clarissa conteria O Quereres do Caetano, ou no R, “aqui, ali, em qualquer lugar", a Rita, a Lee, cantando Beatles em forma de bossa. No S, o glossário de Clarissa seria composto por diversos sambas. Um salve inclusive ao Saravah, afinal é melhor ser alegre que ser triste e a alegria está no início. Nos arredores do T, teria tanto a dizer o glossário de Clarissa... Cantaria até um pouco de tristeza, só para fazer um samba com beleza, esquecer o Sofrimento do samba e afastar qualquer Tédio. Ao passear pelas letras U, V, X e Z, Clarissa lembraria nada mais nada menos que seu glossário é apenas um tipo de dicionário e que os sentimentos são um tanto complexos para breves descrições formais. Como tal, glossários desconhecem o significado de muitos verbetes que os humanos insistem em traduzir, abreviar, citar, colorir ou descolorir, concordar, desenhar, desdenhar, desenvolver, desfazer, editar, deletar, pintar e pluralizar. No vocabulário dos glossários, cheios de substantivos, os sentimentos talvez não levem outros tantos, como nos cartões com destinatários e nas cartas.
Bom mesmo é que o glossário nunca contivesse algum Ódio ou sentimento similar, mas o Perdão logo após o O compensa. Poderia conter, ainda na letra P, paixão de sobra, mas essa não se cobra, não se empresta, não se vende, nem se negocia, apenas leva à beleza e à inquietude.
Se fosse musical, o dicionário de Clarissa conteria O Quereres do Caetano, ou no R, “aqui, ali, em qualquer lugar", a Rita, a Lee, cantando Beatles em forma de bossa. No S, o glossário de Clarissa seria composto por diversos sambas. Um salve inclusive ao Saravah, afinal é melhor ser alegre que ser triste e a alegria está no início. Nos arredores do T, teria tanto a dizer o glossário de Clarissa... Cantaria até um pouco de tristeza, só para fazer um samba com beleza, esquecer o Sofrimento do samba e afastar qualquer Tédio. Ao passear pelas letras U, V, X e Z, Clarissa lembraria nada mais nada menos que seu glossário é apenas um tipo de dicionário e que os sentimentos são um tanto complexos para breves descrições formais. Como tal, glossários desconhecem o significado de muitos verbetes que os humanos insistem em traduzir, abreviar, citar, colorir ou descolorir, concordar, desenhar, desdenhar, desenvolver, desfazer, editar, deletar, pintar e pluralizar. No vocabulário dos glossários, cheios de substantivos, os sentimentos talvez não levem outros tantos, como nos cartões com destinatários e nas cartas.